A morosidade processual, especialmente na fase executória, impõe desafios significativos à efetividade da prestação jurisdicional e à gestão de ativos judiciais.
Nesse cenário, a cessão de crédito trabalhista emerge como um instituto jurídico e financeiro de grande relevância estratégica, permitindo a conversão de uma expectativa de direito futuro em um recurso presente.
Este artigo técnico explora os fundamentos, as bases legais e as implicações práticas da cessão de crédito, detalhando um mecanismo capaz de proporcionar liquidez e mitigar os riscos inerentes à longa duração dos litígios.
O que é a cessão de crédito trabalhista?
A cessão de crédito é um negócio jurídico pelo qual o credor de uma obrigação (cedente) transfere a um terceiro (cessionário) sua posição ativa na relação obrigacional.
Conforme define Carlos Ragazzo:
“A cessão de crédito é um instituto jurídico que visa à transmissão da posição de credor em uma relação obrigacional para um terceiro, conhecido como cessionário”. — Carlos Ragazzo (2025, p.33)
Em termos práticos, é a alienação do direito de receber um valor já reconhecido em juízo.
A base legal para a cessão está consolidada nos artigos 286 a 292 do Código Civil, que estabelecem a regra geral da livre cessibilidade dos créditos. Uma dúvida comum reside na natureza alimentar do crédito trabalhista. Contudo, Ragazzo argumenta que o ordenamento jurídico não veda a cessão de tais créditos. A proteção legal recai sobre a impenhorabilidade por terceiros, não sobre a disposição voluntária do direito pelo seu titular. A cessão é, portanto, um ato de autonomia privada do credor.
É importante destacar que a cessão pode ser total, envolvendo a integralidade do crédito, ou parcial, abrangendo apenas uma fração do valor devido, o que confere flexibilidade à operação.
O que é um crédito trabalhista?
Juridicamente, o crédito trabalhista é o direito subjetivo, patrimonial e disponível, que nasce para o empregado em decorrência do descumprimento de obrigações contratuais ou legais por parte do empregador.
Seu surgimento segue uma trajetória clara:
- Vínculo e inadimplemento: existe uma relação de emprego em que o empregador deixa de cumprir com suas obrigações (ex: pagamento de horas extras, verbas rescisórias, etc.).
- Reconhecimento Judicial: o trabalhador, por meio de uma reclamação trabalhista, busca o reconhecimento desse direito na Justiça. Após a fase de conhecimento, uma sentença transitada em julgado (da qual não cabe mais recurso) confirma a existência e o valor (ou os parâmetros para seu cálculo) desse direito.
Neste ponto, o que era uma expectativa de direito se materializa em um crédito líquido, certo e exigível. É essencial distinguir as verbas reconhecidas na sentença daquelas que já são passíveis de execução.
A cessão geralmente ocorre sobre créditos já consolidados, preferencialmente em fase recursal e execução, quando o risco processual é menor.
Bases normativas e instrumentos legais da cessão de créditos
A validade da cessão de créditos não é uma inovação recente, mas um instituto consolidado no direito brasileiro. Conforme aponta Ragazzo:
“A cessão de crédito, em sua estrutura jurídica, encontra sólida base de validade no ordenamento brasileiro. O ponto de partida desse resgate se dá no Código Civil de 1916, que defendia o princípio da livre cessão de créditos no Art. 1065, autorizando o credor a transferir seu crédito, salvo em situações excepcionais decorrentes da natureza da obrigação, da lei ou da convenção entre as partes.” — Carlos Ragazzo (2025, p.45)
Esse princípio foi integralmente mantido pelo Código Civil de 2002. Adicionalmente, o Código de Processo Civil (art. 778, III) e a Lei de Falências (Lei 11.101/2005) reforçam a legalidade da prática, prevendo a sucessão processual pelo cessionário e a manutenção da natureza e classificação do crédito cedido.
Benefícios da cessão de créditos trabalhistas
A decisão de ceder um crédito trabalhista é estratégica e oferece vantagens significativas para todas as partes envolvidas.
Para o advogado:
- Liquidez Imediata: antecipa o recebimento dos honorários contratuais e de sucumbência, que poderiam levar anos para serem pagos na execução.
- Segurança Financeira: elimina o risco de inadimplemento por parte da empresa executada (recuperação judicial, falência, insolvência).
- Otimização da Gestão: libera o tempo e os recursos do escritório, que não precisa mais se dedicar a uma execução morosa e, muitas vezes, infrutífera.
Para o reclamante (titular do crédito):
- Liquidez Imediata: o cliente recebe um valor justo pelo seu crédito de forma rápida, permitindo-lhe realizar projetos pessoais, quitar dívidas ou lidar com emergências.
- Fim da Preocupação: encerra o vínculo emocional e o estresse relacionados a um processo que pode se arrastar por anos.
- Transferência do Risco: o risco de não receber ou de demorar para receber da empresa devedora é totalmente transferido para o cessionário (a empresa que compra o crédito).
A cessão de créditos na prática
A operação de cessão é conduzida por empresas especializadas, que realizam uma análise jurídica e financeira detalhada do processo para avaliar os riscos e a viabilidade da aquisição.
- Critérios: a análise envolve diversos fatores, como o estágio do processo, a saúde financeira da empresa devedora, a existência de garantias no processo e o valor consolidado do crédito.
Saiba mais em: Critérios para a compra de um processo trabalhista.
- Etapas da cessão: o processo é objetivo e transparente, geralmente envolvendo análise documental, apresentação da proposta financeira, assinatura do Contrato de Cessão de Crédito e, por fim, a comunicação da cessão nos autos do processo.
Conheça o passo a passo: Etapas da cessão de créditos.
Diferença entre cessão de crédito e empréstimo: aspectos jurídicos fundamentais
É crucial não confundir a cessão de crédito com um empréstimo com garantia processual. Na cessão de crédito, ocorre uma venda parcial do ativo judicial. O cedente (reclamante) recebe o valor e não tem mais responsabilidade pelo recebimento futuro; o risco é 100% do cessionário.
No empréstimo com garantia, o processo é usado apenas como um colateral. O reclamante recebe um valor, mas continua sendo o titular do crédito e assume uma dívida que deverá ser paga com juros, independentemente do sucesso da execução.
Conclusão
A cessão de crédito trabalhista é mais do que uma simples transação financeira; é uma solução jurídica inteligente que alinha os interesses do advogado e do cliente. Ela oferece um caminho para contornar a morosidade judicial, mitigar riscos e transformar direitos reconhecidos em realidade palpável. Para o advogado moderno, compreendê-la e apresentá-la como opção ao cliente é um diferencial competitivo que reforça seu papel de consultor estratégico.
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Referências Bibliográficas
RAGAZZO, Carlos. Cessão de Créditos Trabalhistas, Autonomia do Trabalhador e Democratização do Acesso ao Crédito: Um Enfoque Jurídico-Econômico. São Paulo: Editora JusPodivm, 2025.